sábado, 7 de julho de 2007

Os dois vasos - Franz König

As minhas viagens levaram-me muitas vezes a países cujos governos dificultavam ou acabavam mesmo com as aulas de religião.
Numa dessas viagens, encontrando-me numa grande cidade, passei junto a uma escola primária. Entre os meus acompanhantes, encontrava-se um jovem professor. Parou em frente à escola e apontou para uma janela no primeiro andar.
— Está a ver aqueles dois vasos atrás dos vidros?
— Sim — disse eu.
— Têm uma triste história — continuou ele. — Eu vivi-a, ainda há pouco tempo, como estagiário naquela sala. Estava sentado na última fila e presenciei tudo.
— Conte!

*

“Um dia, a professora chegou à sala e disse:
— Vejam, meninos, o que vos trouxe!
Eram dois vasos, um saco com terra para jardim, um regador pequeno e um punhado de ervilhas.
— Vamos semear ervilhas! — exclamaram as crianças.
— E vê-las crescer — disse a professora.
As crianças encheram os dois vasos com terra e a professora mostrou-lhes a que profundidade e a que distância se deviam enterrar as ervilhas. Com os dedos, as crianças fizeram buracos na terra com cerca de cinco centímetros de profundidade, onde meteram as ervilhas. Quatro ou cinco por vaso.
— Este vaso aqui — disse a professora — é o nosso vaso. E nós vamos cuidar dele.
Em seguida apontou para o outro vaso.
— Deste, é Deus quem vai cuidar.
O vaso que era de Deus foi posto à janela.
— Pronto — disse a professora. — Vamos começar a cuidar do nosso vaso. As ervilhas já estão na terra. O que temos de fazer em seguida?
— De regar! — gritaram as crianças.
Regaram bem a terra. O vaso de Deus não foi regado.
Ficaram então os dois vasos no parapeito, um ao lado do outro, o da terra húmida e o da terra seca.
Todos os dias de manhã, as crianças tocavam na terra com a ponta dos dedos para ver se estava suficientemente húmida. A terra no outro vaso começou a secar e a ficar cheia de gretas.
As crianças rejubilaram quando, no seu vaso, se começaram a ver os primeiros rebentos verdes esbranquiçados.
— Estou muito contente, meninos — disse a professora. — Vocês cuidaram muito bem do nosso vaso. E como está o outro?
No outro vaso não acontecia nada. As gretas alargaram-se, a terra secava cada vez mais.
— E Deus que não trata dele… — disse uma criança.
— Se Deus existir, vai cuidar dele — disse a professora. — Devia fazê-lo e depressa!
As ervilhas nos vasos das crianças, cresciam cada vez mais, já tinham gavinhas e folhas tenras. As crianças regavam o seu vaso todos os dias. As pequeninas plantas tinham luz e ar. Em breve foi preciso pôr-se estacas para as gavinhas se agarrarem.
Nas aulas de desenho, desenhavam os dois vasos. A professora mostrava-lhes a melhor forma de misturar as cores para conseguirem reproduzir no papel aquele tom de verde fresco.
— Que feio está o outro vaso — diziam as crianças. Também o pintavam, mas sem entusiasmo.
— Muito feio — anuía a professora. — Acham que devemos esperar mais um pouco e dar a Deus outra oportunidade para cuidar do Seu vaso?
— Eu acho que desse vaso já não vai nascer nada.
— Vamos deixá-lo ficar mais um tempo — disse uma outra criança.
Um dia, as crianças descobriram as primeiras flores nas suas ervilhas. Estavam assombradas e ficaram a admirar as cheirosas florinhas em forma de barco, com nervuras frágeis como teias de aranha.
— Maravilhosas, não são? — disse a professora. — Se vocês continuarem a ser uns jardineiros cuidadosos e tratarem do vosso vaso, vão ver como, das flores, vão nascer vagens.
Abriram-se dezassete flores de ervilha no vaso das crianças.
O outro vaso lá continuava com a terra gretada e dura como pedra.
— Que pena! — diziam as crianças. — Se nós tivéssemos tratado dele, agora também teria plantas e flores.
— Vocês têm razão — disse a professora.


*

— E foi assim — terminou o jovem. — A professora não precisou de dizer mais nada às crianças. Para elas, tudo tinha ficado claro: Deus não existia, se não, teria cuidado do seu vaso.
Naquele momento, o portão da escola abriu-se e as crianças saíram a correr. Seguimo-las com os olhos. Gostava de ir ter com elas e de lhes dizer: — Meninos, essa história dos dois vasos não é verdadeira.
— Talvez — disse eu aos meus acompanhantes — talvez em casa as crianças falem dos vasos de ervilhas. E esperemos que haja um pai, uma mãe, um avô, alguém que lhes pergunte: E de onde receberam a terra? De onde vem a água, a luz, o ar para as vossas ervilhas? De onde vieram as ervilhas que meteram na terra? De onde vem a alegria com que fazem esse trabalho? Deus dá aos homens a força, a capacidade e a alegria necessárias para serem jardineiros. Deus quer que o homem seja o jardineiro. Assim é que a Terra se torna bela para todos nós.


Franz König



Lene Mayer-Skumanz (org.)
Hoffentlich bald
Wien, Herder Verlag, 1986
tradução e adaptação

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